Por que castelos desmoronam: entenda as vantagens competitivas das empresas

Buffett ensinou a buscar empresas com fossos profundos. Christensen alertou: eles não duram para sempre. Entender os dois lados é vital para proteger seus investimentos

Henrique Vasconcellos 20/08/2025 09:59 6 min
Por que castelos desmoronam: entenda as vantagens competitivas das empresas

Provavelmente você investe em empresas cheias de rachaduras. Isso pode te custar caro caso não saiba como identificá-las.

Uma das analogias mais famosas que o Warren Buffett tem para seus investimentos é a ideia de que ele procura investir em fortalezas que possuam fossos profundos. No linguajar do mercado: os “moats”. 

Não basta ser apenas um castelo bonito ou possuir muros altíssimos. O que realmente garante a sobrevivência é o fosso — difícil de atravessar e custoso para os inimigos. Para empresas, esse fosso são suas vantagens competitivas.

Investir muitas vezes é reduzido a “barato ou caro”. Múltiplos baixos viram sinônimo de companhia barata, e múltiplos altos, de organização cara. A grande vantagem dessa lógica é a objetividade: um número em uma planilha. 

Mas vantagens competitivas não cabem em uma célula do Excel. São menos óbvias, difíceis de identificar e ainda mais complicadas de monitorar com o tempo.

E, justamente por isso, são mais valiosas de entender. 

Os três tipos de vantagens competitivas

Não existe um único modelo mental a seguir para mapear vantagens competitivas. Alguns investidores seguem as Cinco Forças de Porter, enquanto outros possuem modelos proprietários. 

Eu, pessoalmente, gosto muito do modelo proposto pelo Bruce Greenwald no livro Competition Demystified.

Ele divide o tema em três grandes tipos de vantagens competitivas:

1 – Oferta: 

Quando a empresa consegue produzir de forma mais eficiente ou com acesso exclusivo a recursos. Esse tipo de vantagem nasce de tecnologia proprietária, localização privilegiada, contratos de fornecimento ou know-how difícil de replicar.

Lá fora, a Ryanair virou símbolo disso no setor aéreo, transformando custos mais baixos em preços quase imbatíveis. Já a TSMC domina semicondutores porque fabrica chips com uma eficiência que ninguém mais consegue replicar. No Brasil, empresas de celulose conseguem fazer árvores crescerem mais rapidamente do que em outras geografias. 

2 – Demanda: 

Quando é o consumidor que se “prende” à empresa. Aqui, o poder não vem do custo, mas da mente do cliente. Marcas fortes, hábitos enraizados e alto custo de troca criam barreiras invisíveis para o rival. 

O consumidor não troca a Coca-Cola só porque achou um refrigerante parecido. (Às vezes, o consumidor da Coca-Cola normal não consegue nem tomar a Coca Zero). Fumantes são viciados na nicotina, mas a preferência por sempre comprar o Marlboro vermelho é um hábito — e não um vício. 

3 – Escala: 

Quando crescer significa se tornar ainda mais competitivo. Negócios que alcançam escala ganham eficiência em logística, marketing, tecnologia e até em poder de negociação. Quanto maior, mais barato fica produzir e mais difícil é para concorrentes menores alcançarem. 

É a dinâmica que fez a Amazon quando transformou uma infraestrutura caríssima em vantagem competitiva. No mundo digital, a Meta é um exemplo claro: cada novo usuário gera mais dados, atrai mais anunciantes e financia novos investimentos em tecnologia. 

Essa espiral de escala cria um fosso quase impossível de atravessar para redes menores.

A Netflix é outro ótimo exemplo de escala: quanto maior for a base de assinantes, mais diluídos ficam os custos de produção de conteúdo e tecnologia. Ou seja, o crescimento de usuários é praticamente lucro na veia. 

Uma forma de praticar o olhar é colocar as empresas dentro dessas categorias, pensando quais são os tipos de vantagens que cada uma delas tem e por que são consideradas maiores ou menores que em outras companhias. 

 Empresas classificadas pelo tamanho das vantagens competitivas. Fonte: Pevaluator

Além de identificar, é preciso saber que fossos secam. Muros se racham. Mesmo organizações que possuam amplas vantagens competitivas podem desaparecer. 

Por que até grandes empresas colapsam

Vimos muros colapsando inúmeras vezes ao longo da história. Todos testemunhamos o colapso da Blockbuster com o surgimento da Netflix. 

A Blockbuster era um castelo inexpugnável: lojas em todo lugar, consumidores recorrentes (filminho em família no final de semana), contratos de exclusividade. Mas bastou a ascensão do streaming para esse castelo se tornar ruína — e agora, apenas uma saudosa memória do que eram os finais de semana em família. 

Outro exemplo clássico é o da Kodak. A empresa inventou a câmera digital — um réquiem composto por ela mesma. Apesar de ter criado o que seria a própria cova, optou por não matar o que era sua vaca-leiteira: as câmeras de filme. O moat da companhia se tornou uma prisão, e o castelo desmoronou de dentro para fora. 

Clayton Christensen chamou isso de “dilema do inovador”. Organizações são tão boas naquilo que fazem que ignoram tecnologias que podem ameaçar seus negócios. 

A BlackBerry dominava o mercado de celulares corporativos até que a tela touch mudou a regra do jogo. Ela teve a opção de seguir esse caminho, mas enxergava o teclado (saudades) como o grande diferencial que reteria clientes — erro grosseiro.

A vulnerabilidade da Apple e o dilema do inovador

A Apple talvez seja o melhor exemplo de uma empresa que conseguiu construir moats em todas as três dimensões.

Na oferta, ela combina design proprietário, integração de hardware e software e uma cadeia de suprimentos que (quase) nenhuma concorrente consegue replicar. Na demanda, cultiva uma lealdade quase religiosa: consumidores pagam mais caro e ainda se orgulham disso. 

E, na escala, sua base gigantesca de usuários alimenta serviços como App Store, iCloud e Apple Pay, criando receitas recorrentes que reforçam todo o ecossistema.

Mas esse castelo tem uma vulnerabilidade: a dependência quase absoluta do iPhone. Grande parte do faturamento e da força de sua marca ainda gira em torno de um único produto. 

 Ecossistema de produtos e serviços da Apple. Fonte: The Product Head

Isso significa que, se a forma como interagimos com a tecnologia mudar — seja por meio da inteligência artificial embarcada, seja por novos dispositivos como óculos de realidade aumentada —, a Apple precisará reinventar o seu fosso.

É exatamente aí que mora o dilema do inovador: a empresa que construiu vantagens em todas as frentes pode ver sua maior fortaleza se transformar em sua maior fragilidade.

Por isso, eu prefiro não investir na companhia. Mesmo sendo um consumidor da marca (celular, relógio, fones de ouvido, cloud etc.), enxergo um risco relevante na acomodação que a Apple vem tendo diante do seu ecossistema. 

A empresa pode seguir dominante por décadas — ou pode descobrir que seu moat era também sua prisão.

O paradoxo das fortalezas

Buffett ensinou a buscar companhias com moats profundos. Christensen alertou que eles não são eternos. O investidor precisa olhar os dois lados. Porque toda fortaleza parece indestrutível — até o dia em que se torna apenas uma ruína turística.

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