Selic mantida em 15%: o que a postura “hawk” do Copom revela

O Copom manteve a Selic em 15% e adotou um tom mais duro no comunicado. Entenda por que o BC segurou os juros e o impacto dessa postura para os investimentos

Marilia Fontes 11/12/2025 09:07 9 min Atualizado em: 11/12/2025 12:42
Selic mantida em 15%: o que a postura “hawk” do Copom revela

Ontem, 10 de dezembro, o Comitê de Política Monetária (Copom) decidiu manter a taxa Selic em 15% ao ano pela quarta vez consecutiva. A decisão, unânime, já era amplamente esperada pelos investidores, mas o tom do comunicado chamou atenção: o Banco Central adotou uma postura mais dura em relação à inflação, indicando que os juros devem permanecer elevados por um período prolongado.

Selic mantida em 15% e a surpreendente postura "Hawk"

Confesso que o comunicado do Copom me deu um déjà-vu de 2016. Naquela época, ainda gestora de fundos, eu via a Selic estacionada lá em cima, o mercado já sonhando com cortes rápidos, e um Banco Central (BC) teimoso dizendo, na prática: “Só mexo no juro quando a inflação estiver sob controle de verdade”. 

Quem teve paciência para segurar IPCA+ longo naquele período viu depois um dos maiores ciclos de queda de juros da história recente — e uma das melhores fases de renda fixa que eu já vivi na vida.

Lendo o comunicado do Copom, senti o mesmo cheiro de “teimosia boa”.

Copom manteve a Selic, mas o tom surpreendeu

O Banco Central manteve a Selic em 15% ao ano, como todo o mercado já esperava. É a quarta reunião seguida com os juros no maior patamar desde 2006.  

A surpresa não esteve na decisão, mas no tom: o comunicado veio claramente “hawk” — austero, duro com a inflação —, reforçando que a política monetária precisa ficar em um patamar “significativamente contracionista, por um período bastante prolongado”.

Em bom português: esqueça essa história de corte rápido em janeiro — e provavelmente também em março.

Isso contrasta com o que estava na curva de juros até ontem: o mercado via 50% de chance de corte já em janeiro e praticamente 100% em março. Depois do texto de ontem, esse cenário fica bem menos provável. 

O Copom não apenas segurou a taxa, como praticamente trancou a porta dos cortes de curto prazo.

Por que o Banco Central adotou tanta dureza?

Quando a gente olha para o cenário doméstico, a resposta aparece com uma certa lógica. A atividade veio desacelerando, é verdade, mas não há nenhum ambiente de colapso: o comunicado fala em “moderação do crescimento”, não em recessão. 

O mercado de trabalho continua resiliente, com desemprego em mínimas históricas e massa salarial real crescendo. 

Ao mesmo tempo, a inflação de 12 meses está em torno de 4,4% — de volta para dentro do intervalo da meta, mas ainda acima do centro de 3% — e, principalmente, as expectativas de inflação futura continuam desancoradas, sobretudo mais à frente na curva.

Traduzindo: o Banco Central não está sob pressão para “salvar” a economia via juros, porque emprego e renda ainda vão relativamente bem; e, por outro lado, ainda não comprou a ideia de que a inflação, daqui a alguns anos, ficará bonitinha em 3% sozinha. 

A combinação de atividade ainda estável, mais inflação e expectativas acima da meta é o tipo de quadro que empurra qualquer BC sério para o lado mais duro. Foi exatamente o que aconteceu ontem.

Tempero externo: o Fed também está cauteloso

Tem mais um tempero importante para esse cenário: o ambiente externo. 

O Fed cortou os juros em 0,25 ponto, levando a taxa americana para a faixa de 3,50% a 3,75% ao ano, e deixou claro que não está com pressa para seguir cortando, porque a economia deles desacelera devagar e a inflação lá também não está 100% resolvida. Ou seja, o mundo não está dando “licença poética” para o Brasil brincar de juros baixos.

Quando o Copom olha para tudo isso junto, a mensagem é: “Vamos comprar credibilidade agora para poder cortar mais lá na frente”. 

É o mesmo filme de 2016: segurar a Selic alta por mais tempo, ancorar as expectativas, mostrar que a meta de 3% não é de enfeite, e só então engatar um ciclo de queda mais robusto.

A frase sobre manter os juros no nível atual por um “período bastante prolongado” não é decorativa; ela é a âncora do comunicado e fala muito mais do que qualquer tabelinha de projeção.

Seguindo a tradição, ontem fiz uma live pós-Copom para falar sobre o comunicado. Assista aqui:

O que muda para seus investimentos?

Diante de todo esse cenário, vem a pergunta que interessa para você: o que isso significa para a sua carteira de investimentos?

Curva de juros

A primeira consequência é na curva de juros. Nos vencimentos mais curtos, os juros sobem: como a Selic ficará em 15% por mais tempo do que o mercado imaginava, os vértices mais curtos da curva precisam se ajustar, penalizando quem está carregando prefixado muito curtinho. 

Já no longo prazo, se o BC de fato ganhar credibilidade e as expectativas de inflação convergirem para a meta, a tendência é que os juros reais de longo prazo cedam com o tempo. Em outras palavras: curto machuca, longo pode virar prêmio.

Aqui entra a parte boa para quem gosta de renda fixa de verdade, e não apenas de “CDIzinho” de curto prazo. Esse cenário é quase feito sob medida para travar juros longos altos — IPCA+ e prefixados de prazos mais extensos — e colher tanto a taxa gorda no cupom quanto a marcação a mercado quando a curva finalmente começar a fechar.

Crédito privado: atenção aos spreads apertados

Ao mesmo tempo, esse cenário é bem menos amigável para o crédito privado high grade com spread apertado. 

A gente está saindo de um período em que os fundos de crédito surfaram um mar de dinheiro barato, com spreads comprimidos, e muita gente topou correr risco de crédito para ganhar 0,5% ou 1% ao ano a mais do que o Tesouro. 

Em um ambiente de Selic alta por mais tempo, com empresas pressionadas por custo financeiro e um ciclo longo de juros reais elevados, esse prêmio tão magro não me parece fazer sentido. Você corre risco de crédito para ganhar praticamente o mesmo que um título público longo – não é uma troca que me empolga.

Bolsa brasileira: um risco assimétrico

Do outro lado da mesa está a Bolsa brasileira. Nosso mercado vem de anos de frustração: poucos IPOs, vários fechamentos de capital, investidor local saindo de Bolsa, fundos de previdência preferindo IPCA+ gordo, estrangeiro hipnotizado pelas grandes techs americanas. 

Resultado: o Brasil negocia a um múltiplo de preço/lucro muito baixo na comparação histórica e em relação ao exterior, enquanto o mercado americano, especialmente as “Mag7”, opera a múltiplos bem mais salgados. A assimetria está escancarada.

Se a Selic sai de 15% para 12% em um cenário “morno”, já é um empurrão enorme para a Bolsa. Se, além disso, o país conseguir organizar uma política fiscal minimamente crível após as eleições — algo que reduza de verdade a trajetória de dívida/PIB e permita uma Selic mais perto de 8% no médio prazo — o combustível potencial é muito maior.

Lembrando: no superciclo de 2003 a 2008, o Ibovespa chegou a acumular algo próximo de 700% em reais, partindo de um nível de preço/lucro também deprimido e surfando uma combinação de crescimento, queda de juros e melhora de percepção de risco.

Não estou dizendo que a história vai se repetir na mesma magnitude, mas a lógica macro é parecida.

FIIs: a “renda fixa turbinada”

Tem ainda o capítulo dos fundos imobiliários. Se você pensar nos FIIs de tijolo como uma “renda fixa turbinada” — aluguel indexado à inflação + sensibilidade à queda de juros — eles hoje unem dois elementos importantes: preços descontados (muitos ainda abaixo do valor patrimonial) e uma perspectiva de ciclo de afrouxamento lá na frente, quando essa teimosia do BC tiver cumprido seu papel.

Em um portfólio que queira sair do “crédito privado para sempre” e caminhar para ativos com mais assimetria, FIIs de qualidade entram muito bem como ponte entre a renda fixa longa e a Bolsa.

Dólar: diferencial de juros segue ajudando o real

E o dólar? Com o Fed começando a cortar e o Brasil mantendo a Selic em 15%, o diferencial de juros continua muito favorável ao real. Não significa que o câmbio só vai apreciar — política e fiscal ainda pesam — mas o carrego segue jogando a nosso favor, o que ajuda a segurar movimentos mais abruptos na moeda.

O que eu faria na carteira hoje?

Feita essa leitura, deixa eu ser bem direta e concreta sobre o que eu, Marilia, gosto para a carteira nesse cenário — lembrando sempre que isso não substitui uma análise individual do seu perfil de risco, horizonte e liquidez:

1. Renda fixa longa como protagonista

Gosto de travar juros reais e nominais altos em prazos longos, justamente porque o BC está comprando credibilidade hoje.

2. Redução gradual de fundos de crédito privado com spread em mínima

Especialmente aqueles que pagam pouco tomando risco de empresas alavancadas. Se é para correr risco além do Tesouro, eu prefiro que esse risco venha acompanhado de um prêmio, claro — Bolsa ou FIIs — e não de um 0,5% a mais por ano.

3. Bolsa brasileira para assimetria

Não precisa ser 50% da carteira, mas eu vejo muito sentido em ter o que você tolera em ações brasileiras.

4. FIIs de qualidade como ponte de renda

Aqui eu enxergo oportunidade em fundos com imóveis bem localizados, contratos sólidos e boa gestão, que hoje ainda negociam com desconto relevante.

5. Diversificação internacional com parcimônia.

Eu continuo gostando de ter uma fatia de 10% a 15% do patrimônio em ativos globais, mas, no momento, prefiro Brasil mesmo.

Como interpretar o comunicado do Copom na prática

Resumindo: o comunicado do Copom da última reunião não foi amigo de quem vive olhando apenas o próximo mês, mas foi muito positivo para quem pensa em construir patrimônio em ciclo. 

Um Banco Central mais “gavião” hoje aumenta a chance de um ciclo de queda de juros mais robusto e sustentável lá na frente — e é exatamente esse tipo de ambiente que faz IPCA+ longos brilharem, a Bolsa destravar valor e os FIIs saírem do buraco.

Enquanto isso, quem ficar agarrado em crédito privado com prêmio de nada corre o risco de carregar o risco errado pelo motivo errado.

Se você ainda está com a carteira muito concentrada em pós-fixado de curto prazo e fundos de crédito, talvez essa seja a hora de, com calma, começar a girar o volante: segurar a proteção que faz sentido, mas ir plantando posições em juros longos, Bolsa e FIIs que podem ser os grandes vencedores do próximo ciclo.

Como sempre, se tiver dúvidas sobre como adaptar essas ideias ao seu caso específico, converse com nossos consultores — o cenário macro está desafiador, mas, para quem souber escolher os ativos certos, ele também está cheio de assimetrias boas demais para ignorar.

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