Lula e Haddad em rota de colisão sobre meta fiscal de déficit zero em 2024

Meta fiscal de 2024 está em discussão e não foi definida; Haddad tenta acalmar ânimos no mercado financeiro.

Marilia Fontes 09/11/2023 09:22 5 min Atualizado em: 04/01/2024 11:35
Lula e Haddad em rota de colisão sobre meta fiscal de déficit zero em 2024

As divergências políticas e econômicas do governo brasileiro ganharam os holofotes nesta semana após declarações contundentes do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que indicou uma possível recusa em aderir às metas fiscais estabelecidas pelo arcabouço fiscal do país. 

O ministro da economia, Fernando Haddad, foi pego no fogo cruzado, tentando acalmar os ânimos do mercado financeiro após a turbulência causada pelas declarações presidenciais.

Lula engrossa "fogo amigo" 

Em um comício recente, Lula expressou abertamente seu descontentamento com as limitações impostas pela meta fiscal, argumentando que as necessidades sociais do país devem ter precedência. "Não estamos aqui para seguir números que esquecem as pessoas", afirmou Lula, numa clara crítica à política de austeridade fiscal. 

Essas declarações repercutiram imediatamente no mercado, causando uma onda de incerteza entre investidores. A Bolsa de Valores de São Paulo teve um dia tumultuado, com o índice Ibovespa caindo e o dólar atingindo picos de valorização frente ao real.

Resposta de Haddad

Respondendo à pressão, o ministro Haddad convocou uma coletiva de imprensa para esclarecer a posição do governo. "O presidente enfatizou a importância do bem-estar social, o que é central para nosso governo", disse Haddad. "Contudo, estamos comprometidos em manter a responsabilidade fiscal como pilar do desenvolvimento sustentável do Brasil."

Haddad tentou acalmar os mercados, garantindo que o governo buscará meios de conciliar crescimento econômico e justiça social sem comprometer os fundamentos macroeconômicos. "É fundamental mantermos a confiança dos agentes econômicos na sustentabilidade das contas públicas", ressaltou.

O episódio revela o desafio enfrentado por Lula em sua gestão: equilibrar promessas de campanha focadas no aumento de gastos sociais com a prudência econômica exigida pelo mercado e instituições financeiras.

Mudança da meta fiscal e os impactos

Em meio às turbulências, o governo chegou a cogitar uma alteração na meta fiscal, buscando flexibilizar os limites de gastos. A medida, que visa uma maior liberdade para investimentos em programas sociais, tem causado debates acalorados entre os parlamentares.

O projeto, que já está sob análise das comissões responsáveis na Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO), poderia alterar a meta de 2024 de zero (anteriormente estabelecida) para -0,50%, por exemplo. 

Ajustar a meta fiscal poderia sinalizar um afrouxamento na disciplina orçamentária, o que, por sua vez, poderia aumentar o déficit público e gerar desconfiança quanto à sustentabilidade da dívida brasileira. O próprio presidente do BC disse na quarta-feira, 8, que “mudar a meta fiscal agora gerará muita incerteza”. 

Seria vergonhoso alterar a meta estabelecida poucos meses depois do próprio governo ter divulgado a meta (em abril). 

Sem contar que, no próprio arcabouço fiscal, caso a meta não seja cumprida, diversos dispositivos são acionados para que os gastos não possam crescer muito nos anos seguintes. Caso a meta seja alterada para baixo, esses dispositivos não seriam acionados. 

Oras, mas se todo governo que for deixar de cumprir a meta optar por simplesmente alterar a meta, além da perda de credibilidade, os gatilhos de reequilíbrio nunca seriam acionados. 

O mercado sabe que se desviar do caminho da austeridade fiscal poderia levar a um descontrole inflacionário e ao desinvestimento estrangeiro.

Não há debate do governo com Congresso

Vale pontuar também que o presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira, afirmou durante o Macro Day 2023, promovido pelo BTG Pactual, que não tem nenhuma conversa com o governo para aprovar uma alteração da meta fiscal e que eles seguirão perseguindo o déficit zero, que caso não alcançado haverá consequências.  

Entenda a preocupação do mercado

Esse pedido de revisão da meta fiscal chega em um momento delicado, em que a confiança dos investidores está abalada devido às recentes declarações do presidente Lula. 

Mas é importante entender também o outro lado...

O mercado financeiro vem reduzindo os prêmios de risco em suas taxas de juros, principalmente depois da última reunião do Fomc, na qual o Banco Central americano decidiu manter as suas taxas estáveis. 

Mesmo com esses desencontros fiscais, o mercado melhorou. Por que será?

A própria expectativa de mercado previa que não haveria possibilidade de o governo cumprir a promessa de déficit zero em 2024. O mercado previa -0,5% ou menos para o ano. 

Compromisso de resultado primário e projeção do tesouro nacional.

Ou seja, o mercado não está se decepcionando em relação às suas próprias expectativas. Apenas vê que o governo está finalmente reconhecendo que não conseguirá cumpri-las.

É importante sempre considerar o que o mercado já estava ou não precificando antes de ler a sua reação pós-anúncio.

Ou seja, a discussão sobre a alteração não apenas reflete o embate ideológico sobre a gestão econômica do Brasil, mas também coloca em teste a capacidade de negociação e o poder de coesão do governo Lula diante de um Congresso.

Por enquanto, nas pautas mais ideológicas, o governo não obteve sucesso nas aprovações. Temos que aguardar de perto como o Congresso irá se comportar nessa. 

No entanto, mesmo conseguindo a aprovação, como já era um nível esperado pelo mercado, não acredito que teremos grandes consequências. 

Hoje, acredito que o nível de inflação e juros americanos é muito mais decisivo para a política monetária brasileira do que 0,25% de fiscal para um lado ou outro. 

De uma forma bem pragmática, eu não apostaria em uma piora dos juros por conta da questão fiscal atual.

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