Entendendo a relação entre juros e preço das ações

A taxa de juros é a espinha dorsal do movimento de valorização das ações. O que não implica que ela seja a única responsável. Entenda o mercado hoje

Marilia Fontes 06/06/2024 10:55 8 min
Entendendo a relação entre juros e preço das ações

Nos oito primeiros anos de minha carreira, trabalhei como gestora de fundos multimercado. O multimercado tem total liberdade para tomar qualquer posição que o gestor acredita ter potencial. 

O ponto de partida

Você pode ficar comprado ações e, posteriormente, vendido. Pode ficar aplicado em juros ou tomado (ganhar quando os juros sobem). Pode ficar comprado ou vendido em qualquer moeda, ou commodities.

O gestor multimercado não tem compromisso com nenhuma posição pré-estabelecida, como os gestores de fundos passivos que replicam um índice ou os gestores de ações que devem ficar comprados em ações. 

Esses fundos analisam cautelosamente o cenário macroeconômico e, então, decidem o tamanho e a posição que tomarão de acordo com as expectativas de valorização de determinados ativos. 

Em particular, passei a maior parte desses oito anos na mesa de renda fixa. Nós operávamos títulos públicos, DI futuro e opções de juros. Eu amava o que fazia. 

O ponto da virada

Em 2016, fui convidada por uma casa de análise para montar um relatório de renda fixa para investidores pessoas físicas. Isso foi uma grande mudança para mim, que não tinha contato com os clientes dos fundos e não precisava explicar para muitas pessoas as minhas convicções. 

Nesta casa de análise, percebi duas coisas importantes que determinaram o meu caminho desde então:

1º) O investidor pessoa física é muito mal assessorado 

A indústria aproveita a falta de informação financeira do investidor não profissional para oferecer produtos caros, ruins ou inadequados para o perfil de risco. Você só tem uma assessoria um pouco melhor quando passa dos R$ 20 milhões de patrimônio. 

Essa assessoria é "gratuita" na maioria das vezes. Você não paga diretamente pelo serviço de aconselhamento, o que resulta em taxas embutidas e pouco transparentes, além da sugestão de produtos que não são adequados para o seu perfil. 

Para combater essa prática, nada melhor do que a educação financeira. Entender cada produto e indicar a forma mais barata de acessá-lo mata qualquer iniciativa de sobretaxar o investimento. 

Além disso, o aconselhamento deve ser pago diretamente pelo cliente, para que não haja conflito de interesses. No Brasil, cerca de 80% dos investimentos são geridos com base em comissões, enquanto, nos Estados Unidos, esse percentual é inferior a 20%. 

Acredito que, em algumas décadas, chegaremos lá. Mas isso é assunto para um outro artigo. 

2º) O investidor brasileiro prefere investir em ações

Acho que isso acontece porque o brasileiro quer dinheiro rápido. O Brasil é um dos países que mais investem em criptomoedas, sem falar na grande popularidade de apostas esportivas, jogos do bicho e pirâmides financeiras. 

As ações estimulam uma fantasia de enriquecimento rápido que, na grande maioria das vezes, não se concretiza. 

As ações podem até bater os ganhos com renda fixa, mas apenas no longuíssimo prazo e com muita volatilidade no caminho. O brasileiro também não aguenta muita volatilidade. 

No início da minha carreira de analista, não conseguia compreender porque as pessoas achavam que não era possível ganhar dinheiro de forma agressiva com renda fixa. 

Nos fundos multimercado brasileiros, a maior parte do alfa (excesso de retorno em relação ao benchmark) era gerado pela mesa de renda fixa. Os ciclos de juros no Brasil são tão intensos que geram retornos agressivos, na casa dos 40% ou 50% em determinados anos. 

Os gestores de renda fixa eram os mais valorizados dos fundos. Mas, quando se tratava de pessoas físicas, era o contrário. Valorizavam os analistas de ações.

O meu primeiro livro, Renda Fixa Não É Fixa, veio exatamente com esse intuito. Ensinar o investidor a obter retornos agressivos com os ciclos de juros. 

Eu fiquei muito feliz com o resultado. Não foram apenas dezenas de milhares de cópias vendidas, mas, acima de tudo, muitos investidores me agradeceram por ensinar marcação a mercado de uma forma simples. 

Hoje, sinto que esse tema é bastante conhecido pelo grande público e, embora eu não tenha sido a única a falar sobre isso, acredito que tenha sido importante para a popularização do tema durante o aprofundamento financeiro que tivemos de 2019 a 2021. 

No entanto, a ideia de escrever um novo livro surgiu recentemente, durante o ciclo de alta dos juros em 2022. Na época, compreendi que a pessoa física preferia ações, mas percebia que ela não considerava o ciclo econômico e os movimentos de taxas de juros na sua tomada de decisão. 

Aliás, justiça seja feita, isso não acontece apenas com a pessoa física. Até os gestores de ações profissionais não dão atenção ao ciclo de juros. A grande maioria toma decisões de compra ou venda de forma completamente segregada dos ciclos econômicos, o que, na minha humilde opinião, é um grande erro. 

Entendendo a relação entre juros e preço das ações

Para compreender o motivo pelo qual acredito ser um grande erro, basta analisar os seguintes gráficos:

O primeiro gráfico mostra o impacto de um ciclo de alta de juros no Ibovespa. É perceptível que, na maioria das vezes em que os juros sobem, o valor das ações cai, e vice-versa. 

Na bolsa americana, é possível notar o mesmo efeito. Embora não seja 100% das vezes, a correlação é muito alta. 

A taxa de juros é a espinha dorsal do movimento de valorização das ações. O que não implica que ela seja a única responsável. 

Temos três formas de valorização das ações e as taxas de juros atuam nessas três frentes: 

  • Crescimento de receitas: juros mais baixos estimulam o consumo, aumentando a expectativa de receita futura das empresas.
  • Aumento de margem: juros mais baixos reduzem o custo da dívida das empresas, aumentando a margem.
  • Crescimento de múltiplos: como vimos nos gráficos, ciclos de alta de juros deprimem os múltiplos, e vice-versa. 

Para movimentos de até três anos na Bolsa, a taxa de juros pode corresponder a mais de 50% da causa. Após este período, tem muito mais a ver com a capacidade da empresa em navegar diversos tipos de cenários com excelência. 

Quanto maior a magnitude do ciclo de juros, maior pode ser o seu impacto nos preços dos ativos. Ao ignorar, na sua análise de ações, os movimentos da taxa de juros, pode ser devastador. 

Se você faz gestão para terceiros, o problema é ainda maior. Você já deve ter percebido, assim como eu, que a grande maioria dos clientes não aguenta ver a sua posição de ações ficar sem subir por mais de dois anos. Isso poderia ter um impacto significativo na confiança do cliente em relação ao seu trabalho e na sua capacidade de fazer boas escolhas. 

Apesar de todos desejarem ser como Warren Buffett e manter as mesmas empresas por décadas, a realidade é que um ano de crise é suficientemente assustador para os investidores. 

Entender os ciclos de juros no Brasil e no mundo pode fazer com que você diminua as grandes perdas da sua carteira e potencialize os grandes ganhos, aumentando o retorno total e reduzindo a volatilidade. 

Apesar de não querer tomar uma decisão com base nisso, compreender os ciclos pode, pelo menos, ajudar a compreender melhor o humor do mercado, mantendo a calma em momentos de baixa ou se preparando psicologicamente para ele. 

O mercado hoje

Atualmente, estamos na fase do ciclo em que os múltiplos estão deprimidos devido aos altos juros no Brasil e no mundo. 

O mercado está penalizando, sobretudo, as ações de empresas mais alavancadas. 

Mas será que a Bolsa vai melhorar?

Aqueles que me acompanham aqui sabem que estou bastante confiante quanto ao início do ciclo de queda dos juros americanos neste ano. A queda das taxas por lá traria uma pressão baixista dos juros aqui. 

Isso pode trazer uma boa valorização para as ações brasileiras, sobretudo as de companhias mais alavancadas. 

Para isso, basta que tenhamos um mínimo de equilíbrio fiscal, pois o risco de desequilíbrio aumenta os prêmios de risco, gerando novas altas nas taxas. 

Não sei se teremos equilíbrio fiscal no Brasil. Parece que o governo está mais preocupado em resolver o fiscal pelo lado da arrecadação do que cortando despesas. 

Mas acredito que o arcabouço fiscal limita o estrago que poderia ser feito de alguma forma. 

Além disso, a assimetria está do lado dos otimistas. Os juros já estão em patamares bem altos, os múltiplos das ações estão baixos, e o pessimismo tomou conta dos investidores. 

Por isso, gosto de ter uma posição em ações brasileiras, além de renda fixa aqui e fora. 

No entanto, se você é um investidor de ações, deve ter em mente que a renda fixa é a mãe da Bolsa.

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