Infinitos tons de cinza

Se você quer se tornar um investidor melhor, precisa deixar seu ego de lado

Rafael Ragazi 02/07/2021 12:36 4 min
Infinitos tons de cinza

Zero ou um

Você conhece os vieses comportamentais de raciocínio motivado e de autoconveniência? Tem ideia de como eles podem afetar negativamente a sua capacidade de investir bem?

O primeiro descreve a nossa tendência de aceitar o que queremos acreditar com menos escrutínio do que quando se trata de algo que não queremos acreditar. Já o segundo é o hábito de atribuir resultados positivos a fatores internos (inteligência, esforço) e resultados negativos a fatores externos (azar ou incompetência alheia).

O pensamento de preto ou branco, que ignora a incerteza envolvida em qualquer decisão de investimento tomada, é uma das principais razões para que esses dois vieses existam.

Se as únicas duas opções são estar 100 por cento certo ou 100 por cento errado, sem nada no meio do caminho, uma informação que potencialmente contradiz uma crença requer um rebaixamento completo de certo para totalmente errado.

Não existe o “um pouco menos certo” em um mundo de tudo ou nada, então qualquer informação minimamente contraditória tende a ser ignorada ou descreditada, e isso prejudica a sua capacidade análise.

Esses dois vieses podem fazer com que o investidor veja seus resultados como se estivesse em um labirinto de espelhos de um parque de diversões. As reflexões distorcidas da realidade maximizam a aparência da habilidade nos resultados positivos, enquanto nos resultados negativos qualquer fator interno praticamente desaparece e o azar se engrandece.

Tanto o raciocínio motivado quanto o viés de autoconveniência surgem da nossa necessidade de criar narrativas positivas para o conjunto de decisões e resultados de nossas vidas, principalmente dos nossos investimentos.

Nessas narrativas, o crédito tomado em um bom resultado significa que tomamos uma boa decisão. E estar certo é prazeroso. Enquanto isso, pensar que um resultado ruim foi nossa culpa significa que tomamos uma decisão ruim, e estar errado é doloroso.

Quando estamos analisando a nós mesmos, existe uma tendência muito forte que nos leva a tratar nossas decisões como 0 ou 1, certa ou errada, habilidade ou sorte, nossa responsabilidade ou fora do nosso controle. Não costumam existir tons de cinza.

Os vieses impedem a evolução

Analisar seus resultados com o objetivo de promover suas narrativas próprias e fazer isso com o pensamento de tudo ou nada altera a sua habilidade de interpretar, pois o futuro se tornou o presente de uma maneira específica, e não de outra.

Aprender pela experiência se torna mais difícil (ou até impossível) com esse tipo de pensamento viesado. Resultados obtidos raramente são consequências que dependem somente de nossa habilidade ou somente da sorte e nem mesmo a magnitude do resultado é um indicador perfeito da influência da habilidade ou sorte.

Se atribuirmos resultados positivos como perfeitamente correlacionados com nossa habilidade e resultados negativos como perfeitamente correlacionados com o azar, nada será aprendido com as decisões tomadas.

A motivação de atualizar a visão que temos de nós mesmos de maneira positiva pode dar origem ao viés de autoconveniência, mas também pode nos ajudar a superá-lo quando estamos assumindo a função de investidores.

Talvez uma das tarefas mais difíceis, mas mais relevantes para o investidor, seja abrir mão do seu ego, da necessidade de enxergar as decisões tomadas sempre no contexto de uma narrativa positiva.

Ao invés de analisar as decisões e resultados com o objetivo de dar crédito a si mesmo ou de culpar algo, olhar para cada investimento de maneira mais objetiva, tentando identificar qual foi a influência da sorte e o que veio da habilidade é que vai permitir que você se torne um investidor melhor.

É preciso entender que existem infinitos tons de cinza entre o preto ou branco em investimento. Olhar para o resultado verde (lucro) ou vermelho (prejuízo) nem sempre vai ser o que diferencia uma boa decisão de uma decisão ruim.

O grande diferencial dos grandes investidores não é a sua capacidade de olhar para o que uma empresa é e o preço de sua ação hoje, mas sim a sua capacidade de enxergar o que ela pode ser e como poderá ser precificada amanhã.

O grande desafio vem exatamente disso; o futuro é incerto e opaco, consequentemente, todas as decisões de investimento são tomadas com informações limitadas. O único jeito de obter bons resultados com consistência é buscando por oportunidades com assimetria de retorno potencial positiva.

Mesmo tomando boas decisões (levando em conta as informações disponíveis no momento), em alguns casos os investimentos vão simplesmente dar errado, e é por isso que não se investe em apenas uma ação. No entanto, com um mínimo de diversificação e tendo as probabilidades ao seu lado, o fator sorte deixará de ser o que determinará seu resultado consolidado.

No fim das contas, é importante que cada decisão tomada leve a um aprendizado e somente deixando seu ego de lado você será capaz de identificar os acertos e erros em cada processo decisório, para então evoluir e obter resultados cada vez melhores.

Um abraço,

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