Por que o mercado pode estar enganado sobre o próximo corte da Selic
Mercado aposta em corte da Selic em janeiro, mas sinais do Copom indicam o contrário. Entenda por que o silêncio pode dizer tudo
Na semana passada, conversando com um gestor amigo meu — daqueles que acompanham cada vírgula das comunicações do Banco Central (BC) — ouvi uma frase que não saiu da minha cabeça:
“O mercado sempre tenta antecipar o Copom, mas quase nunca tenta entender o que ele quis dizer.”
Essa frase me fez lembrar das minhas épocas de gestora de renda fixa, em 2012, quando eu ficava até mais tarde na mesa esperando a reunião do Copom sair e ainda operava no after market depois, para garantir liquidez no dia seguinte.
Na época, bastava o Comitê de Política Monetária mudar um adjetivo no comunicado para a curva futura implodir ou abrir dez pontos na mesma tarde. E, mesmo assim, sempre tinha alguém apostando contra a mensagem explícita do BC — como se o comitê, depois de dias de reuniões, fosse simplesmente acordar um belo dia disposto a surpreender o investidor por esporte.
Penso nisso agora, às vésperas da reunião do Copom na próxima semana.
O que está precificado para janeiro e por que isso importa
O consenso do mercado é claro: não deve haver alteração na taxa Selic em dezembro. Nada mais razoável.
Mas, curiosamente, a curva de juros — essa mesma que vive tentando traduzir o humor coletivo do mercado — já embute uma probabilidade próxima de 80% de um corte de 0,25 ponto percentual na reunião de janeiro. Em outras palavras, o mercado está apostando fortemente que o Banco Central vai iniciar uma queda suave dos juros logo no começo do ano.
A questão é: faz sentido essa aposta? Na minha visão, não. E digo isso não por intuição ou vontade pessoal, mas porque, quando analisamos com atenção o comunicado do Copom, o comportamento das expectativas de inflação e o estágio atual da economia brasileira, a história contada pelos dados é bem diferente da contada pelos preços da curva.

O que o Banco Central realmente está sinalizando
O comunicado mais recente do Copom foi bastante claro ao não incluir qualquer sinalização explícita sobre as próximas quedas. Esse tipo de postura — conhecida no jargão como forward guidance, quando o Banco Central orienta antecipadamente o mercado sobre suas ações futuras — é sinal de que o comitê está mais preocupado em observar do que em agir.
Em novembro, o BC manteve o discurso de que a estratégia indicada atualmente seria manter a Selic estável por “período prolongado”. Isso não é falta de estratégia: é uma sinalização clara de que ainda não estão pensando cortá-la.
E quando um Banco Central deixa um “guia”, ele está, na prática, dizendo que não quer que o mercado conte com cortes automáticos. Se janeiro fosse realmente uma reunião com cortes prováveis, o Copom teria deixado ao menos uma porta entreaberta. Não deixou.
Expectativas de inflação: o problema invisível mas presente
Além disso, seguimos convivendo com expectativas de inflação ainda desancoradas. Esse termo — desancoragem — parece abstrato, mas é algo extremamente concreto no dia a dia. Imagine que você contrata uma reforma e pede um orçamento fechado. O pedreiro responde: “Vai dar 1 milhão, mas pode provisionar 1 milhão e 800 mil.”
Isso é desancoragem: quando as pessoas e empresas começam a precificar a incerteza como parte natural da vida, e a meta inicial não é mais considerada.
No relatório Focus, por exemplo, a inflação de 2025 está próxima de 3,5%, acima do centro da meta de 3%. Para 2026, 2027 e 2028, idem. E pior: essas expectativas não caem há meses.
Um Banco Central não corta juros com expectativas insistindo em ficar acima da meta — ele corta depois que elas cedem. Isso importa porque expectativas influenciam a inflação futura. Salários, contratos, preços administrados, tudo começa a embutir um “seguro anti-inflação”.
Desaceleração econômica não é sinônimo de fragilidade
Outro argumento frequente para justificar um corte precoce é a desaceleração da atividade econômica. E, de fato, a economia está desacelerando. O PIB do terceiro trimestre mostrou crescimento mais fraco, a produção industrial oscila e o comércio vem perdendo fôlego.
Mas desacelerar não é sinônimo de fraqueza. É como diminuir a velocidade em uma estrada após um longo trecho rápido: você não está “parando”, está apenas ajustando o ritmo.
Os dados do mercado de trabalho reforçam isso. A taxa de desemprego está em 5,4%, a menor da série histórica. A massa salarial segue crescendo com ganhos acima da inflação, impulsionada por um emprego formal resiliente.
Um mercado de trabalho forte reduz a urgência de estímulos. Se as pessoas estão empregadas e consumindo, o BC não tem pressa para cortar juros — especialmente quando ainda observa pressões inflacionárias difusas e incertezas fiscais relevantes.
O risco de cortar cedo demais
É importante lembrar que juros não são apenas uma ferramenta técnica: são uma mensagem.
Quando o Banco Central corta cedo demais, corre o risco de passar ao mercado a impressão de que está negociando com a política fiscal, ou de que está mais preocupado com o crescimento de curto prazo do que com a estabilidade de preços — que é seu mandato.
Esse tipo de sinal já custou caro ao Brasil no passado, com inflação persistentemente alta e ciclos de aperto abruptos logo depois.
O que esperar da próxima reunião do Copom
Por isso, quando olho para janeiro, não vejo espaço para corte. Enxergo um Banco Central cauteloso, observando a ancoragem das expectativas, monitorando possíveis reajustes de preços administrados, acompanhando o impacto do mercado de trabalho apertado e avaliando a dinâmica fiscal — que segue sendo um ponto de atenção importante.
O mercado pode continuar precificando probabilidades; faz parte do jogo. Mas o Banco Central não joga: ele arbitra. E o árbitro, quando muda de postura, costuma avisar.
O Copom avisou — não com um recado explícito, mas com o silêncio que substituiu o forward guidance. E, às vezes, silêncio é a comunicação mais clara de todas.
Semana que vem, na quarta-feira, 10, ficaremos atentos à reunião do Copom e, principalmente, ao comunicado. Será que eles vão abrir espaço para uma queda de juros em janeiro? Veremos.
A minha aposta é que não. Mas, assim que o resultado da reunião for comunicado, nos encontraremos na minha tradicional LIVE no Instagram @mariliadfontes. Te encontro lá!

