Bolsa argentina cai 13,25%: crise ou oportunidade de compra?
Esse movimento brusco reflete o aumento da incerteza política e econômica no país. Mas será que o mercado está reagindo de forma exagerada?

Na segunda-feira, 8, o mercado argentino amanheceu e dormiu em meio a um verdadeiro caos: a Bolsa despencou 13,25%; o peso argentino se desvalorizou 3,94% frente ao dólar; o risco-país (CDS de 5 anos) disparou 33,36%, atingindo 1.323 pontos; e os juros de 2035 saltaram de 12,81% para 14,57%.
Foi um daqueles dias que deixam cicatrizes — e que expõem, com clareza brutal, o grau de incerteza política e econômica pelo qual a Argentina ainda passa. Mas será que o pânico do mercado foi proporcional aos fatos?
Milei sofrer derrota em Buenos Aires
A origem da crise está nas eleições legislativas ocorridas no dia anterior, 7 de setembro, na província de Buenos Aires — a mais populosa do país. A derrota do partido de Javier Milei, La Libertad Avanza, não foi apenas um revés local: ela revelou uma fragilidade estrutural que ameaça comprometer o avanço de reformas decisivas.

Milei perdeu mais do que votos: perdeu força política
As eleições legislativas nacionais acontecerão no dia 26 de outubro, quando 127 dos 257 deputados e 24 dos 72 senadores serão renovados.
Tais eleições são de extrema importância em razão da governabilidade de Milei durante os próximos dois anos, assim como podem ser uma sinalização para as eleições presidenciais de 2027.
Os investidores já sabiam que Buenos Aires tem uma maior presença do peronismo (movimento político argentino fundado por Juan Perón, com viés mais à esquerda e que hoje se posiciona como principal oposição a Javier Milei). No entanto, a derrota de Milei foi bem pior do que muitos imaginavam.
O peronismo, representado pelo partido Fuerza Patria, conquistou 47% dos votos, contra apenas 34% de Milei. A diferença de 13 pontos percentuais superou as expectativas das pesquisas, que projetavam um cenário de empate técnico — com leve favoritismo dos peronistas.
Dessa forma, o mercado interpretou que, daqui para frente, a vida de Milei não será fácil, aumentando o risco de descontinuidade do governo e, portanto, das mudanças estruturais que vêm sendo implementadas no país.
O que está em jogo: as reformas econômicas de Milei
Desde a posse de Milei, em dezembro de 2023, a Argentina vinha apresentando melhoras importantes que reforçaram a confiança dos investidores de que o país estava caminhando na direção correta.
A Argentina passou a apresentar superávit primário pela primeira vez desde 2011; queda da inflação, que chegou a alcançar 25,5% mensal em dezembro de 2023 e hoje se encontra em 1,90%; melhora das reservas internacionais com o acordo com o FMI e a eliminação do controle cambial (permitindo ampla liberdade para a compra de dólares, no contexto do programa com o FMI).


Esses ajustes estruturais devolveram credibilidade ao país e impulsionaram a Bolsa argentina.
No ano de 2024, por exemplo, a Bolsa subiu +172% em peso argentino e +114% em dólar. Em 2025, porém, ela já vinha caindo e, com o caos do mercado nesta segunda-feira, 8, acumula uma queda de -36% em peso argentino e queda de -54% em dólar.

Isso resultou em um maior desconto da Bolsa em relação ao seu histórico. Atualmente, a Argentina negocia a um múltiplo Preço/Lucro de 6,17 vezes, abaixo da mediana histórica de 9,92 vezes.

Por que o mercado argentino reagiu tão mal?
Com menor representatividade do que gostaria na Câmara, novas reformas estruturais ficam mais difíceis de serem aprovadas no restante do mandato de Milei. Para conseguir governar, ele terá que aprimorar a articulação com o centro e parte do peronismo.
A crise de confiança no governo Milei
Outro fator a ser levado em consideração é a divulgação de áudios que sugerem um suposto esquema de propina na compra de medicamentos envolvendo Karina Milei, irmã de Javier Milei, que pode ter afetado a confiança de parte dos apoiadores do atual governo.
O índice de confiança no governo, por exemplo, caiu de 2,45 para 2,12 em agosto (após as notícias sobre a Karina Milei), sendo esse o menor nível desde a posse do governo em dezembro de 2023.

Vale a pena investir na bolsa argentina agora?
Apesar da instabilidade, não é hora de descartar a Argentina do radar. O país segue no meio de um processo profundo de transformação econômica. Essas mudanças estruturais tendem a ter efeitos de longo prazo significativos.
O país vem trazendo mais confiança sobre a trajetória das contas públicas, desacelerando a inflação (que leva a um aumento do poder de compra da população) e atraindo novos investimentos. Além disso, a Bolsa está descontada (agora, ainda mais).
No entanto, vejo que a continuidade do governo Milei após 2027 ficou mais ameaçada.
Por outro lado, caso consiga ser reeleito, Milei deve dar continuidade à mentalidade “no más populismo”, dando sequência à sua agenda reformista.
Sendo assim, apesar de não termos posição comprada no momento, seguimos monitorando as oportunidades que a Bolsa argentina ainda pode apresentar.
Para quem investe com visão de longo prazo, o momento exige atenção redobrada e seleção criteriosa. No curto prazo, é razoável esperar maior volatilidade nos preços, em função do aumento da incerteza quanto à trajetória política e econômica do país.
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