Por Henrique Vasconcellos

O intenso conflito entre Rússia, Europa e Estados Unidos ganhou um novo capítulo junto às capas de jornais, gerando medo e preocupação com uma possível guerra — podendo ser considerada a maior crise de segurança na Europa desde a Guerra Fria. A Ucrânia tem sido um “meio de campo” tanto para o Ocidente quanto para a Rússia. A Rússia, que já invadiu a Criméia, anos atrás, busca consolidar sua dominância no Mar Negro; enquanto os Estados Unidos e a OTAN buscam sua própria “segurança” por meio de mais uma parceria com um país vizinho à Rússia.

Esses choques geopolíticos coincidiram com um momento muito interessante para o mercado de energia global, em que os preços das commodities (tanto do petróleo quanto do gás natural) tiveram uma valorização muito forte, a produção reduzida, estoques em baixa e de encontro com um dos invernos mais rígidos na Europa — acentuando uma já existente crise energética.

A Briga dos Vizinhos: Entendendo o contexto

O conflito entre Ucrânia e Rússia não é de hoje e vem desde lá atrás colecionando diversos bons e maus momentos. Sem querer mergulhar em aspectos históricos muito profundos, afinal, a relação entre os povos data desde o Século X (citado pelo próprio Putin em um artigo escrito por ele sobre a relação entre russos e ucranianos), o importante de se saber é a aproximação da Ucrânia com a OTAN e a forte repressão (a essa aproximação) que os russos buscam impor — com briga ou sem briga.

O foco aqui não é julgar se existe um lado certo ou errado, ambos discordam e enxergam o outro como agressor; o que, na visão de cada um dos lados, faz total sentido.

Se analisarmos um pouco do histórico pela ótica da OTAN (e Estados Unidos), a Rússia sempre foi uma “ameaça”. A própria OTAN é uma organização que se uniu justamente para enfrentar as ameaças russas, na época da União Soviética pós-Segunda Guerra. Apesar do colapso econômico soviético na década de 90, o caráter imperialista cultural jamais desapareceu.

O próprio Putin deixa bastante claro (no mesmo texto mencionado acima), dizendo que a imposição de mudanças culturais que a Ucrânia passa se assemelha a um ataque de armas de destruição em massa à Rússia. Além disso, o Ocidente (EUA) jamais deixou de ver nossos amigos do leste-europeu como uma ameaça. A postura da Rússia com a Ucrânia é vista pelo secretário geral da OTAN como um grande ato de agressão. Desde 2014, com a série de protestos no país, a Rússia já vem adotando um caráter hostil. Tendo não só anexado a Criméia em 2014, mas também lançado uma série de ataques cibernéticos e  financiado as forças separatistas em uma guerra civil no leste do país.

Já na visão russa, essas medidas são formas de proteção à expansão da OTAN desde a sua fundação. Uma organização que, hoje (como podemos ver no mapa abaixo), já tem como aliados diversos países que estão ao redor da Rússia, o que, militarmente, é uma potencial ameaça gigantesca aos Russos. No caso da Ucrânia, a grande preocupação é com a capacidade de instalação de mísseis voltados para Moscou (que levariam por volta de 8 minutos para chegar à capital russa).

Mapa dos países membros da OTAN.
Mapa dos países membros da OTAN. Fonte: QueroBolsa

Mas seria tudo isso apenas um confronto geopolítico militar? Não é tão simples assim. A Rússia é uma das maiores exportadoras de gás natural para a Europa (em 2020, foram responsáveis por 36 por cento da oferta, atrás apenas da Noruega, com 38 por cento), e a Ucrânia tem uma participação muito importante nessa cadeia, por possuir diversos dos dutos por onde passa o gás natural para chegar na Europa.

Um possível conflito — ou aumento dessa turbulência geopolítica — poderia ter um impacto muito maior na cadeia de energia global. Estamos segurando um fósforo no meio de uma floresta de galhos secos.

A Energia no Mundo Atual

Sejamos realistas, por mais bonito e interessante que o discurso sobre energias renováveis seja, nós ainda estamos muito longe de chegar perto de nos livrar da dependência dos combustíveis fósseis. Em 2019, 84 por cento da energia consumida no mundo vinha do petróleo, carvão e do gás natural:

Gráfico apresenta consumo de energia por fonte 2019.
Fonte: Our World in Data

Atualmente, com a redução dos estoques de petróleo pelo mundo (nos Estados Unidos já estamos nos mesmos níveis de 2014 — antes da exploração do xisto) e também com os recentes conflitos entre Rússia e Ucrânia, nós atingimos os mesmos patamares de preços que não tínhamos há mais de sete anos. Apesar do nosso atual consumo de energia já estar nos mesmos níveis de antes da pandemia, nossa produção ainda está muito atrás.

Os investimentos na produção de petróleo estimada para 2022 no mundo já são metade daquela de 10 anos atrás, em 2012. O que dificulta ainda mais os esforços para aumentar a produção, especialmente diante da busca por, cada vez mais, matrizes de energia renováveis (que atraem hoje muito mais a atenção de investidores). Ou seja, é bem improvável que tenhamos uma disrupção nesse setor da mesma forma que tivemos entre os anos de 2014 a 2020 com a introdução do xisto. O reflexo da falta de investimentos no setor fica claro na imagem abaixo, mostrando como o preço do barril de petróleo se comportou nos últimos anos:

Gráfico com a cotação do petróleo Brent nos últimos 7 anos.
Gráfico com a cotação do petróleo Brent nos últimos 7 anos. Fonte: Bloomberg.

Como Seremos Afetados

Com a oferta de petróleo reduzida globalmente e sem ter a capacidade de aumentar a produção da mesma maneira que tivemos lá atrás, um possível conflito entre Rússia, Europa e Estados Unidos poderia desencadear uma crise energética ainda mais complicada para o mundo lidar em busca de fontes de energia.

Historicamente, já vimos que um aumento muito acelerado da produção (além de ser difícil de ser implementado) acaba tirando bastante a rentabilidade do setor por anos, sem criar de forma consistente um aumento de demanda. Na quarta-feira, 2 de fevereiro, a OPEP anunciou um leve aumento em 400.000 barris (adicionais) por dia na produção de petróleo, a partir de março.

Tendo um desfecho negativo nas negociações entre OTAN, EUA e Rússia — ou, no pior dos casos, uma invasão à Ucrânia —, podemos ter uma redução ainda maior da oferta, além de um cenário cada vez mais difícil para o bolso dos consumidores. Com o petróleo mais caro, a gasolina acompanha, pesando cada vez mais no bolso dos brasileiros.

A Luz no Fim do Túnel:

Ao mesmo tempo que o petróleo nos patamares atuais faz com que as operações da OPEP e das empresas de petróleo fiquem extremamente rentáveis, há uma preocupação maior com o longo prazo. Caso o preço do petróleo tome valores muito acima do que vemos atualmente, poderíamos ter uma mobilização global ainda mais acelerada para buscar novas soluções para as fontes de energia. Com isso, devemos ver uma mobilização maior da OPEP e dos países membros para evitar uma valorização descontrolada do petróleo.