Começo este texto te parabenizando! O fato de você ter resolvido tirar 10 minutos do seu dia para ler estas palavras já é um forte indício de que está no grupo de pessoas que busca conhecimento de maneira inteligente.

Segundo Sócrates, indivíduos inteligentes aprendem com tudo e com todos, os medianos aprendem com suas experiências, e os “não tão inteligentes” (ele usa um termo mais agressivo do que esse) já acreditam que possuem todas as respostas.

Se ele estivesse escrevendo um livro sobre investimentos, essa frase seria perfeita.

Assim como você, eu também tento aprender ao máximo o que posso sobre investimentos, com tudo e com todos, mas, principalmente, com os maiores e melhores investidores de todos os tempos.

Um dos que eu mais admiro é Peter Lynch, lendário gestor do Magellan Fund, que conseguiu entregar um retorno médio anual de 29% nos 13 anos em que geriu o fundo.

No décimo oitavo capítulo do seu excelente livro: One Up On Wall Street (O Jeito Peter Lynch de Investir, em português), Lynch comenta sobre alguns pensamentos tóxicos sobre ações, que podem ser extremamente perigosos para sua saúde financeira.

E é de alguns deles que quero falar hoje.

“Esta ação não pode cair mais” ou “Esta ação atingiu sua mínima”

Infelizmente, a única certeza que podemos ter sobre o preço de uma ação é que ele não será inferior a zero.

O fato de um papel ter caído 50%, 70% ou até 90% não é uma indicação de que ele não cairá mais.

Tentar pegar uma “faca caindo” pode dar certo, mas é muito perigoso. Deixá-la cair, vibrar um pouco e então se estabilizar costuma ser uma opção mais segura.

Simplesmente não faz sentido pensar que existe uma força mágica que puxará o preço das ações de volta para cima, como se tudo na Bolsa tivesse que reverter à média, um dia.

Muitas pessoas pensam assim, inclusive profissionais do mercado. Mas uma mentira repetida diversas vezes não faz com que ela se torne verdade, simplesmente porque as pessoas querem.

Investir em empresas em turnaround é uma estratégia perfeitamente válida, mas é recomendável esperar por sinais concretos de melhoria nos fundamentos da companhia, para, então, se posicionar.

“Esta ação já subiu demais; não pode subir mais”

O preço de uma ação não pode ser inferior a zero, mas não existe nenhum limite arbitrário para o valor máximo que ela pode chegar.

Se as vantagens competitivas de uma empresa continuam válidas, seus lucros continuam crescendo, seus fundamentos não mudaram e os múltiplos não ficaram altos demais, vender uma ação porque ela já subiu 50%, 100% ou até 200%, também pode ser uma péssima decisão.

Ninguém consegue prever se tem uma tenbagger (ação que se multiplica por 10x) na carteira, mas se você vende as posições vencedoras exclusivamente pelo fato de elas subiram x por cento, nunca vai pegar as grandes multiplicações de patrimônio que as ações podem te proporcionar.

Colocar um limite de alta é abrir mão da assimetria que deixa o investimento em ações tão vantajoso. E você não está vendendo essa opção no mercado nem ganhando nada por isso.

Sem se alavancar, você não vai perder mais do que 100% do capital investido em ações, mas seus ganhos são infinitos… desde que você não crie uma “carteira cemitério” que vira de estimação ao longo dos anos.

“Não comprei esta ação; olha quanto dinheiro eu perdi. Vou pegar a próxima”

Desempenho das ações da Syn nos últimos anos.
Desempenho das ações da Syn nos últimos anos.

Você conhece a Syn (SYNE3)? Caso a conhecesse, poderia ter investido nela no começo de 2023 e teria capturado a alta de quase 700% da ação nos últimos anos.

Mas olhe para o seu extrato bancário: você não ficou nem um centavo mais pobre porque descobriu a grande fortuna que deixou de fazer.

Se torturar por não acertar as 10 ações que mais subiram no ano é uma atitude extremamente contraprodutiva. Isso tende a te levar à loucura.

Quanto mais você aprende sobre empresas, mais vai descobrir que deixou de investir em grandes vencedoras e, em algum momento, vai chegar à conclusão de que poderia ser bilionário hoje.

O real perigo aqui é quando você começa a comprar ações que não deveria, para se proteger de perder mais dinheiro do que já “perdeu”.

Principalmente, quando, em vez de buscar uma boa empresa negociando a um preço atrativo, você começa a focar em encontrar a próxima XXXX3… Isso raramente funciona.

Na verdade, é bem provável que você transforme um erro que não te custou nada em um que pode te custar muito.

“A ação subiu; eu estava certo” ou “A ação caiu; eu estava errado”

Segundo Lynch, essa talvez seja uma das maiores falácias no mundo dos investimentos.

Uma ação que sobe para R$ 6 pouco tempo depois que você a comprou por R$ 5 não prova sua sabedoria.

O problema aqui é se convencer de que o preço maior prova que seu investimento é correto e, depois, deixar um preço inferior te convencer de que aquela ação é ruim.

O fato é que o preço de uma ação no curto prazo vai depender de vários aspectos não relacionados aos fundamentos daquela empresa.

Às vezes, um fundo com uma grande posição na companhia que comprou tomou um resgate e foi obrigado a vender aquele papel logo após você comprar, mas isso não muda absolutamente nada na capacidade de geração de lucros da empresa para os próximos anos.

Por isso, o que vai provar se você acertou ou errou ao investir em uma ação é o que acontece com os resultados daquela companhia ao longo dos próximos anos.

O preço de um papel, eventualmente, vai acompanhar os resultados daquela empresa no longo prazo.

O denominador comum

No fim das contas, todos esses pensamentos tóxicos estão interligados entre si pelo fato de que a tomada de decisão está se baseando na variável errada: os movimentos do preço de uma ação.

Olhar para o quanto um papel subiu ou caiu não acrescenta em nada à sua análise; pelo contrário, olhar para o movimento das ações do mercado tende a influenciá-lo de maneira negativa.

Não estou dizendo que as melhores empresas são os melhores investimentos, estou falando que, quando o assunto é preço, o que importa é o preço relativo de uma ação.

Precisamos comparar o preço desse papel hoje com os fundamentos da companhia: seus resultados, seu potencial de crescimento, suas vantagens competitivas, seus riscos etc.

Quando encontramos uma empresa que parece barata demais em relação aos seus fundamentos, devemos comprar. 

Quando o preço ficar alto demais, sem que os fundamentos justifiquem o valuation, ou quando os fundamentos simplesmente se deterioram, devemos vender. 

Quando encontramos uma oportunidade ainda mais atrativa, trocamos de ativo, independentemente do quanto cada um deles subiu ou caiu.

Simples assim.