Existe um mérito em ser capaz de misturar nostalgia com inovação. Boa parte das empresas é capaz de apenas repetir o passado ou correr atrás do novo, mas raramente equilibrar os dois. 

A Nintendo (NTDOY) faz isso há décadas, preservando seus personagens enquanto reinventa a forma como interagimos com eles.

Um exemplo de negócio que, ao longo de quase 130 anos, buscou se reinventar e obter sucesso com isso. Hoje, uma potência na indústria de video games e expandindo para novos universos do entretenimento.

De Hanafuda ao Switch: 1899 até os dias de hoje

 Hanafuda. Fonte: Nintendo

A Nintendo nasceu muito antes de os video games existirem e talvez por isso seja tão difícil encaixá-la na mesma moldura das empresas de tecnologia modernas. 

Fundada em 1889 por Fusajiro Yamauchi, a companhia começou produzindo cartas de Hanafuda, um jogo tradicional japonês. Era um negócio artesanal, regional e discreto. Nada ali sugeria que, décadas depois, a Nintendo seria responsável por algumas das franquias mais reconhecidas do planeta.

A primeira grande virada veio apenas nos anos 1960, quando Hiroshi Yamauchi assumiu a liderança com a convicção de que a empresa precisaria romper com a própria história para sobreviver. O período foi marcado por uma série de experimentos, como táxis, arroz instantâneo, brinquedos e aspiradores. Um laboratório de tentativas que teria quebrado muitas empresas, mas que ajudou a moldar uma cultura interna que valoriza a reinvenção constante.

A Nintendo encontrou seu rumo com os brinquedos eletrônicos de Gunpei Yokoi, um engenheiro autodidata que acreditava no uso de tecnologia madura, barata e estável para criar algo surpreendente. Esse pensamento se tornaria parte da identidade da companhia.

 Histórico da Nintendo em linha do tempo de produtos. Fonte: GamesFreezer

Nos anos 1980, enquanto a indústria americana de video games passava por uma crise causada por jogos de baixa qualidade e má gestão, a Nintendo refinava um mantra simples: qualidade, controle e personagens icônicos.

O Family Computer, ou Famicom, no Japão, e o NES, no Ocidente, não foram apenas sucessos comerciais: eles restauraram a confiança no próprio conceito de video game.

Mario, Zelda, Donkey Kong e Metroid não eram só franquias da Nintendo. Tornaram-se universos inteiros, símbolos culturais que ultrapassaram gerações. 

A ascensão continuou com o Super Nintendo, o Game Boy e o Nintendo 64. E mesmo sem competir pelo hardware mais poderoso, a Nintendo mantinha uma lógica muito própria: a vitória vinha da experiência do usuário, não da força bruta tecnológica.

Essa filosofia alcançou o auge com o Wii, um console que ampliou radicalmente o público de video games ao colocar pais, avós e pessoas que nunca haviam segurado um controle para jogar. Mas nenhum caminho de inovação é linear. 

O Wii U se tornou um dos maiores tropeços da história da empresa. O produto era mal posicionado, mal comunicado e surgiu em um momento em que a indústria migrava para experiências mais sociais e online. Não havia clareza sobre o que ele realmente oferecia e foi um enorme fracasso em comparação com os competidores da mesma geração. 

Apesar do fracasso, esse episódio acabou funcionando como um ponto de virada. A Nintendo entendeu que precisava concentrar suas forças em uma proposta mais clara e unificada.

Dessa reflexão nasceu o Switch, um console híbrido simples e intuitivo que pode ser usado tanto na TV quanto como portátil. A ideia parecia óbvia apenas depois de existir. O Switch reuniu décadas de aprendizado: a mobilidade do Game Boy, a ousadia do Wii e a força de seus personagens.

O resultado foi um dos maiores sucessos comerciais da história da Nintendo, consolidando a empresa como uma das mais resilientes do setor.

Mais de 130 anos depois, a Nintendo continua praticando o mesmo movimento que a trouxe até aqui. A companhia se reinventa constantemente sem abandonar suas raízes.

  • A nostalgia é a base emocional;
  • A inovação é o motor estratégico.

A união entre memória afetiva e novas ideias continua sendo o eixo que move a Nintendo. Essa combinação molda não apenas sua identidade, mas também a forma como a empresa estrutura seus produtos, monetiza seus personagens e expande seus universos. 

Entender esse equilíbrio é essencial para compreender como a Nintendo ganha dinheiro hoje.

Equilíbrio entre Hardware, Software e IPs

 Venda de consoles ao longo do tempo. Fonte: App Economy Insights

O modelo de negócios da Nintendo gira ao redor do seu ecossistema, que combina hardware, software e exploração de IPs. Consoles e jogos formam a base econômica da companhia e respondem pela maior parte das receitas anuais. 

Mas mesmo dentro do segmento de console e jogos, existem diferenças relevantes. O console, apesar de fundamental como porta de entrada para o usuário, possui margens menores e uma ciclicidade maior (gerações de games). Já a parte de jogos (software) é onde, de fato, a empresa gera maiores resultados, e com maior recorrência e previsibilidade.

No último ano fiscal, encerrado em março de 2025, as vendas de consoles representaram 40% das receitas, enquanto a venda de Software (games) representou pouco mais da metade das receitas, em 52%. 

Em 2025, a Nintendo fez a transição para a próxima geração (Switch 2) com retrocompatibilidade, uma decisão que reduz fricção de migração e preserva o valor do catálogo existente, ampliando a probabilidade de retenção da atual base de usuários. Isso significa que jogadores do Switch podem migrar para o Switch 2 mantendo seus jogos e os avanços dentro deles. 

No entanto, do lado de software, o portfólio first-party (jogos da própria Nintendo) segue como a principal fonte de lucro/margem. Jogos próprios dominam as vendas e oferecem rentabilidade significativamente superior à do hardware, apoiados pela forte demanda por franquias como Mario, Zelda e Pokémon (JV entre Nintendo e outras empresas). 

A crescente digitalização amplia essa vantagem: vendas digitais, DLCs e assinaturas (como Nintendo Switch Online) formam um fluxo recorrente e com margens altas, reforçado pela natureza fechada do ecossistema da companhia.

O aumento contínuo da penetração digital eleva a previsibilidade e prolonga o ciclo de monetização dos títulos.

 Divisões de negócios da Nintendo. Fonte: Nintendo

Ao redor do core business em games, a Nintendo monetiza seus IPs por meio de licenciamento, merchandise, experiências físicas e conteúdo audiovisual (filmes). Embora essas frentes tenham participação menor no faturamento consolidado, apresentam margens elevadas e funcionam como vetores de expansão da marca. 

Parques temáticos (como Super Nintendo World), colaborações e produções de cinema ampliam o alcance das franquias, geram receitas incrementais e retroalimentam a demanda por jogos e consoles.

O segmento Mobile permanece uma vertente limitada da operação — mais estratégica do que financeira — usada principalmente para aumentar a exposição de personagens e atrair novos usuários para o ecossistema principal.

No conjunto, a força do modelo da Nintendo está no equilíbrio entre a escala do hardware, a lucratividade do software e a capacidade de prolongar o valor de seus IPs em múltiplos formatos. 

Esse arranjo cria um ciclo de receita recorrente, margens altas e um nível incomum de resiliência, apoiado na longevidade de personagens que atravessam gerações e sustentam a estabilidade do negócio mesmo em transições de hardware.

Ciclicidade em uma indústria gratuita

Diante dessa arquitetura de negócios, os resultados da Nintendo possuem uma ciclicidade maior que a de outros pares do mundo de games. Isso porque a maior parte dos seus resultados é reflexo de lançamentos, seja de novos consoles — como o Switch 2 — ou de novos títulos de suas principais franquias, como Mario, Zelda, entre outras.

Olhando para as principais métricas, vemos:

 Receitas, EBIT e lucro líquido. Fonte: Nintendo, Fiscal.ai

A empresa se beneficiou do ciclo de vendas do Switch, iniciado em 2017, com seu lançamento e alavancado pelos efeitos gerados pela pandemia em 2020 e 2021. Mas, desde o pico em 2021, suas receitas seguiram com quedas, assim como as vendas em unidades do Switch — como vimos acima. 

Agora, em 2025, a companhia renova um ciclo novo de crescimento, com o lançamento do Switch 2 e, junto disso, novos títulos que serão lançados pensando nessa nova plataforma. Consequentemente, quando olhamos para as projeções para os próximos anos, vemos que o mercado já coloca uma expectativa relativamente alta para o seu crescimento.

 Projeções do mercado para Nintendo nos próximos. Fonte: Bloomberg

O mercado espera que, no ano fiscal de 2026, as receitas tenham um salto de +100% em relação ao ano fiscal de 2025. Apesar disso, o lucro operacional deve crescer na casa de +50%, justamente pela dinâmica de margens que comentamos acima: o Hardware traz margens menores, junto a um crescimento de vendas mais cíclico.

Mas, apesar da melhora de “momento” da empresa, voltando a mirar o crescimento, a Nintendo ainda é relutante em aderir ao modelo que vem sendo o de maior sucesso na indústria de games: o Free-to-play.

Enquanto nomes de sucesso como Fortnite, Warzone, Roblox, entre outros, focam em trazer o jogo de forma gratuita ao player e monetizar por meio de customização e microtransações, a Nintendo ainda prefere o modelo de cobrar para jogar. 

Por um lado, isso mantém a ideia de valor aos jogos. Por outro lado, a empresa perde uma oportunidade de gerar receitas recorrentes com transações voltadas à customização do jogo e do usuário. 

Essa poderia ser uma enorme avenida para trazer margens altas de forma recorrente para a companhia — e um ponto que, na nossa visão, tornaria a companhia muito mais atrativa como um possível investimento. 

Apesar disso, a Nintendo segue com um foco em gerar valor a longo prazo, com um ciclo de lançamento de consoles e jogos que possam trazer receitas por anos. Ao mesmo tempo, ela se coloca em uma posição em que insucessos em lançamentos representam enorme risco, como no caso do Wii U. 

Mesmo assim, a Nintendo continua sendo uma empresa rara no setor: resiliente, lucrativa e capaz de sustentar relevância com personagens que atravessam gerações. 

Uma das poucas alternativas em um setor que vem ficando cada vez mais limitado em termos de opções de investimento no mercado, levando em consideração as aquisições recentes da Activision Blizzard e da EA Sports. 

Hoje, não sou nem jogador nem investidor da Nintendo (NTDOY). E você? Pretende continuar apenas no sofá ou vê espaço para transformar esse universo em uma oportunidade além das telas?