A nova crise do subprime

Suspeita de contaminação no sistema financeiro americano e mundial reacende crise do subprime

Marilia Fontes 16/03/2023 13:24 6 min
A nova crise do subprime

Na semana passada, dia 10 de março, vimos a quebra do Silicon Valley Bank (SVB) e toda a repercussão negativa que isso gerou no mercado.

O SVB era considerado o 16º maior banco americano, ou seja, não era um banco pequeno. Lembrando que, em 2008, o Lehman Brothers era o 4º maior banco americano quando quebrou.

Mesmo não estando entre os top 5, a quebra gerou uma grande suspeita de contaminação no sistema financeiro americano e mundial.

Outros bancos, como o Signature Bank e Silvergate, começaram a sofrer saques e tiveram dificuldades de honrar seus compromissos.

Foi então que, dia 13 de março, o Banco Central americano anunciou uma linha de empréstimo de US$ 25 bilhões para os bancos com lastro nos títulos “hold-to-maturity”.

O que é isso?

Antes de seguir com a história, deixe-me explicar esse item que merece toda a nossa atenção.

Patrimônio do banco

O patrimônio dos bancos é investido geralmente nos títulos mais seguros da economia, que são os títulos públicos.

Esses investimentos são divididos em duas classes.

(i) A primeira classe são os títulos que podem ser vendidos a qualquer momento para honrar necessidades de curto prazo. Esses títulos devem sempre ser marcados a mercado.

(ii) A segunda classe são títulos que ficam reservados para compor o capital mínimo do banco e não serão vendidos, apenas carregados a vencimento. Esses títulos, de acordo com as regras contábeis mundiais, não precisam ser marcados a mercado e podem ser marcados “na curva”. Nós chamamos essa marcação na curva de “hold-to-maturity”(segurar até o vencimento).

Se você já me conhece há algum tempo, sabe que eu dediquei toda a minha carreira a explicar a marcação a mercado dos títulos para o pequeno investidor.

Marcação a mercado

Resumindo um assunto complexo, os títulos prefixados valem sempre R$ 1.000 no vencimento. Para saber quanto o título vale hoje, eu tenho que trazer esses mil a valor presente pela taxa de mercado.

Vamos supor que a taxa de 10 anos atual de um prefixado seja 10%. Então, esse título vai valer:

R$ 1.000 em um título prefixado de 10 anos a uma taxa de 10% a.a valeria R$ 385,54

Mas sabemos que as taxas de mercado mudam o tempo todo por alterações no cenário econômico.

Caso a taxa de mercado suba para 15% porque a inflação subiu, por exemplo, o novo valor de mercado desse título seria:

R$ 1.000 em um título prefixado de 10 anos a uma taxa de 15% a.a valeria R$ 247,18

Ou seja, teríamos uma queda de 35,8% no preço do papel.

Se eu fosse um banco e tivesse esses títulos de 10 anos compondo o meu patrimônio, eu perderia 35% do meu patrimônio caso esse pedaço estivesse sendo marcado a mercado.

No entanto, se eu tivesse esses títulos separados, como “hold-to-maturity”, eu não precisaria mostrar para os acionistas nenhuma alteração de patrimônio. Afinal, como eu vou levar os títulos até o vencimento, eu posso garantir para o meu acionista que eu terei esses R$ 1.000 lá na frente.

Voltando para o caso do SVB!

No caso do SVB, 80% dos seus depósitos eram de empresas de crescimento do Vale do Silício. Essas empresas apostam muito em crescimento e por isso trabalhavam bem alavancadas.

O que provocou a falência do SVB?

O aumento das taxas de juros americanas fez com que essas empresas resgatassem o dinheiro depositado para fazer frente às suas necessidades.

Com o aumento dos saques, o banco teve que vender a mercado US$ 21 bilhões em títulos e muitos deles estavam antes classificados como “hold-to-maturity”, a preços de curva muito mais altos do que eles conseguiram vender.

O prejuízo do SVB com as vendas foi de US$ 1,8 bilhão, gerando preocupações com a sua liquidez e a liquidação do banco pelo Federal Reserve (Fed, o banco central dos Estados Unidos).  

Como outros bancos também começaram a sofrer saques, como eu contei no início do artigo, o Fed anunciou um programa de emergência (de US$ 25 bilhões) para que esses bancos pudessem pegar empréstimos sem ter que vender seus títulos alocados em “hold-to-maturity” e, portanto, sem precisar reconhecer prejuízos no balanço.

Chega de introdução...

Crise do Credit Suisse

Hoje acordamos com uma nova notícia ruim. O Saudi National Bank, principal acionista do Credit Suisse, banco suíço que estava com sérios problemas financeiros, anunciou que não vai mais aportar capital para salvar o banco.

Essa notícia fez com que a cotação das ações do CS caísse 10% na abertura e voltou a preocupar o mercado financeiro como um todo sobre o risco sistêmico.

Lembrando que o CS é um dos principais bancos europeus e com muita atuação em todo o mundo.

O Dow Jones reportou que o Banco Central Europeu (BCE) estava ligando para os bancos europeus e perguntando qual seria a exposição deles ao Credit Suisse.

Logo depois, a Bloomberg reportou que o Fed também estava falando com os bancos americanos para entender o tamanho da exposição.

Nisso, a cotação do CS na bolsa já caía 30%.

O Financial Times publicou que o Banco Nacional da Suíça (SNB) estava sendo bastante pressionado para dar uma declaração de apoio ao CS, assim como a Finma (órgão regulador dos bancos suíços).

No final da tarde, de fato essas instituições deram suas declarações de apoio, dizendo que caso necessário proveriam liquidez.

Parece ruim? Calma, ainda tem mais...

Consequências

O grande problema de todo esse caos no setor financeiro mundial é que as taxas de juros subiram.

Então poderia ser bem fácil resolver isso, apenas reduzindo novamente as taxas de juros, não é mesmo?

Infelizmente, não.

As taxas subiram muito porque os dados de inflação americana aceleraram bastante.

O mercado esperava que, com o Fed levando sua taxa para 5% ao ano, o problema da inflação seria resolvido, e poderíamos, inclusive, começar a pensar em um futuro ciclo de queda.

Que maravilha seria! Bolsas voltando a subir, empresas reduzindo despesas com juros, crescimento econômico...

Mas, para colocar água no chopp mundial, tivemos a divulgação dos dados de inflação americana (CPI) na terça-feira, 14.

Infelizmente, o que estamos vendo, mesmo com juros a 5% ao ano, é uma reaceleração dos núcleos de inflação (CORE).

Núcleos de Inflação últimos 12 meses nos EUA
Dados de serviços nos EUA

Além dos núcleos acelerando, os dados de serviços (que são mais inerciais e menos voláteis) não demonstram nenhum sinal de arrefecimento. Apenas os bens estão caindo, mas são itens bem mais voláteis e não tão dependentes da política monetária.

Se correr o bicho pega, se ficar o bicho come...

Cenário econômico atual

O cenário atual é um dos mais desafiadores que eu já presenciei. Por um lado, o Fed deveria subir juros para controlar a inflação de serviços. Caso isso não aconteça, poderíamos ter problemas maiores de inflação.

Por outro lado, o aumento das taxas de juros depois de um período muito longo de juro zero pode causar uma grande instabilidade no sistema financeiro.

Semana que vem, teremos reunião do Fed para a decisão de taxa de juros.

O mercado estava precificando alguma chance de acelerar o passo de 25 para 50 pontos base, entretanto, as coisas mudaram depois de ontem. O mercado já está precificando alguma chance de não subir nada.

Só te digo uma coisa: eu não queria ser o Fed neste momento.

E minha carteira de investimentos?

Como eu venho dizendo para vocês há um tempo, agora não é hora de ser herói.

Mantenha-se em ativos de boas empresas, ou de baixo risco, ou de enorme assimetria.

Investir errado nessas horas pode te custar um bom pedaço do seu patrimônio.

Se precisar de ajuda, grite! Estamos sempre aqui.

Um abraço.

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